CONVERSA COM JOVEM RD
DUDU DE MORRO AGUDO – Qual é o nome que você quer que a gente chame?
JOVEM RD – Jovem RD
Como você gostaria que a gente te apresentasse, de ser apresentado para as pessoas que não te conhecem?
Pô, gostaria de ser apresentado como um multiartista, escritor, recente, mas escritor, e MC, de batalha principalmente, que eu acho que é o meu foco principal e músico. Como diz meu amigo KR7 de Nova Iguaçu, um artista multifacetado.
Tá certo. Você nasceu onde?
Grande ABC paulista, Diadema, São Paulo. Eu passei os 17 anos da minha vida lá, e vim pra cá em 2018.
Já trabalhava com cultura, com arte lá?
Nem sonhava. Começou tudo em Nova Iguaçu.
Tu mora em qual bairro em Nova Iguaçu?
Eu moro em Miguel Couto.
Desde que você chegou aqui, você mora em Miguel Couto?
Desde que eu cheguei, nunca saí de Miguel Couto, e demorei pra sair de Miguel Couto, pra falar a verdade. Cariocando-se, como eu posso falar, fui nascido e criado em Miguel Couto. E foi lá o meu primeiro acesso, também com hip hop, por incrível que pareça, com uma batalha, como a gente diz, “clandestina”, que acontecia.
Foi assim, o meu primeiro contato. Também não sabia o que tava rolando no dia, foi super… Como eu posso dizer? Foi super aleatório. Porque eu só saí pra passar a minha noite, quando eu cheguei aqui foi um pouco complicado, tipo, eu não tinha amigo, eu não conhecia ninguém.
Eu tinha que ir andar um pouco pra… Tipo, Cartola: “preciso ir, deixe-me ir, preciso andar”.
E eu encontrei essa batalha e eu vi o que a rapaziada tava fazendo. Eu já assistia pelo YouTube e falei: “pô, acho que eu sou bom nisso aí, deixa eu tentar”. E tentei e estamos aí, né? De 2019 pra cá.
Qual a tua relação com Miguel Couto? Miguel Couto, de alguma forma, interfere na tua arte, no teu dia a dia? Como é a tua relação com o bairro?
No começo foi um pouco complicado, porque eu sempre achei Miguel Couto um pouco carente de cultura, mano. Sempre foi carente de cultura. Lá a capoeira é vista como “uau!” A batalha de rima é vista como “uau!”. Tipo, um monte de vagabundo fazendo “vagabundice”.
Então, de começo foi um pouco complicado e hoje é muito legal eles verem que artistas, tipo, como eu, como o WL, que também é de Miguel Couto, tomaram proporções grandes. Principalmente em batalha de rima, que é o nosso ramo.
Então hoje o pessoal já vê a gente como artista. Daquele jeito dele, tipo, e aí, “da rima”? Então hoje, em Miguel Couto, eu virei o “da rima”. Em todo lugar que eu passo, eu sou o “da rima”. No mercado, no açougue, na boca, sou o da rima.
Tu falou que é MC de batalha, mas já experimentou algum outro elemento dentro da cultura hip-hop?
Já. E pra ser sincero, eu sou muito ruim nos que eu tentei. Break, eu sou muito ruim. Graffiti, eu sou mais ruim do que no break. Na verdade, eu sempre me achei ruim em tudo que eu fazia, cara. Eu acho que foi na música que eu me encontrei.
Comecei com violão, MPB, tipo, sou apaixonado, filho de nordestino. E meu irmão sempre foi aquele virado da família, o “ovelha negra da família”, o cara que ouvia Sabotage, enquanto a família ouvia Amado Batista. E ele foi me passando tudo que ele tinha pra me passar, mano. Sem querer passar também. Eu meio que fui assistindo e vendo, me interessando. Então, quando eu ouvi, cara, eu já tava imerso dentro disso de uma forma absurda. Absurdamente absurda.
Tu ouviu o rap pela primeira vez em que ano? Sabia o que era hip-hop? Que ano foi isso?
Eu ouvi quando eu tinha uns seis anos. Foi em 2005. RZO, rap do trem, foi o primeiro que eu ouvi.
Aí eu demorei pra saber o que era que a rapaziada surfava no trem. E eu queria surfar no trem porque pra mim isso era de super-herói. O cara que surfava no trem era um super-herói.
E com quantos anos você começou no hip-hop mesmo? Você falou que em 2018 você veio pra cá.
No final de 2019 pro começo de 2020. Foi meu primeiro contato direto, que eu coloquei meu nome pra batalhar. Foi o primeiro contato que eu tive, sem ser escutar.
E qual foi a primeira vez que você ganhou dinheiro com o rap? Ganhou qualquer dinheiro com hip-hop?
2023 foi a primeira vez que eu ganhei, foi lá na Posse no Instituto Chrizan, eu ganhei 400 reais em uma Batalha.
Foi a primeira vez que eu ganhei, já cheguei nessa bolada. Aí já falei, não, agora é isso que eu quero pra minha vida. Só que infelizmente demorei mais uns dois anos pra ganhar 400 reais de novo.
E desde que você começou até hoje, alguma vez você se afastou do hip-hop?
Sim, quando eu tive filho, quando a minha esposa engravidou, eu meio que fui obrigado. Ela sempre me apoiou, logicamente. Ela não queria que eu me afastasse, mas eu acho que é aquela pressão de… “Mano, olha o que eu tô fazendo da minha vida eu tô num bagulho que não me dá dinheiro, as pessoas não gostam do que eu faço, poucas pessoas reconhecem, eu pago pra trabalhar”.
Então tô tendo um filho aí, eu não tinha berço, eu não tinha quarto, eu não tinha uma casa. Então foi complicado e foi uma época que eu parei. Só que eu não consegui ficar muito tempo longe não, cara. Eu fiquei uns seis meses longe. dei total atenção pra minha esposa e pro meu filho. Aí depois eu já não me aguentei, já voltei. Eu acho que quando a gente conhece o hip-hop, ele é uma das drogas mais viciantes que tem. Você não consegue mais ficar longe. Você não consegue mais se afastar.
Tu lembra qual foi o momento mais marcante teu dentro da cultura hip hop?
Foi o momento que eu trouxe um amigo (MaQueen) meu pra maior batalha do Rio de Janeiro. E o pessoal conhecia ele. E ele foi o “menor” que eu conheci em Miguel Couto. Acho que Deus tocou no meu coração naquele dia, cara. Aí eu olhei pra ele, ele batalhou.
Foi a primeira vez dele também, ai eu falei “mano, vamos rimar no trem? O pessoal fala que dá dinheiro rimar no trem.” E ele gostou da ideia e falou “vamos”.
Aí ele teve aquele processo, ele era mais novo, então teve que mentir pra mãe. Então conseguimos ir e ficamos aí um ano e meio nessa função do trem. Passamos pro metrô e ele foi reconhecido pela primeira vez. Acho que foi a primeira vez que eu entendi que a gente tem o poder de mudar nossa área. Mesmo de pouco, de pouco em pouco, com poucas pessoas.
Eu acho que foi o momento mais marcante pra mim. Quando a maior batalha do Rio conheceu o “menor” que, querendo ou não, começou por minha causa.
Com toda essa experiência, você acredita que o hip hop iguaçuano tem o respeito devido que deveria ter?
Eu acho que isso está sendo construído. Eu poderia falar sim, ele está sendo muito construído agora. Porque, pelo menos quando eu comecei, eu nunca saí muito do cenário de batalha de rima. Então eu comecei a sair mais ano passado pra esse ano. E eu acho que esse ano o pessoal está começando a realmente olhar pra gente.
O pessoal quem? Quem é o pessoal que está olhando pra gente?
Onde está o monetário, na Zona Sul.
Eles estão começando a conhecer o hip hop de Nova Iguaçu?
Isso, eles estão começando a conhecer os baixadenses e, principalmente, o Nova Iguaçu, que é gigante.
E como está conhecendo?
A gente foi até lá, não teve o que fazer. Começamos com batalha, pequenos eventos, entramos em escolas. Quando a gente viu, a gente estava em ONGs, estava em institutos. Quando a gente viu, a gente estava na rua.
Não teve como negar a nossa existência. Eu acho que foi por isso que hoje Nova Iguaçu é muito respeitada. Porque quando falam de Nova Iguaçu, falam de mim, falam do Braga, falam do Thug L, falam do Mati, falam do WL. Então tem gente daqui que foi pro Nacional de Nova Iguaçu. Então pode-se dizer que hoje a gente conquistou esse respeito.
Na tua opinião, o hip hop é político?
Poxa, digamos que sim, eu acredito que sim. Hip hop é político. Ele é político porque tem poder dentro do hip hop. Tem pessoas com poder. E eu acho que quando relaciona-se algo com poder, vira política. É uma política, porque dependemos de pessoas para fazer coisas. Então tem hierarquia. Então digamos que eu acredito muito que hip hop sim é político.
E essa dimensão política de alguma forma aparece na tua arte?
Sim, pela minha liberdade de expressão, de não curtir muito isso. Eu acho que como a gente dentro do hip hop tem essa liberdade de expressão e a gente sempre fala sem papas na língua.
Eu sempre me expresso de toda forma possível tentando falar o que eu acho. Pra ver se alguém abraça o papo, eu acho que rap é isso. É você mostrar um pouco do que você acha sobre o mundo e ver se alguém abraça esse papo.
Alguma vez você sofreu algum tipo de repressão ou violência transitando dentro da cidade pra ir? Pra essas batalhas ou nessas batalhas?
Toda semana, seja quando eu tô rimando no trem, seja quando eu tô indo pra batalha, seja pelo fato de ser de Nova Iguaçu. O Rio de Janeiro criou um tipo de guerra entre lugares, como Baixada, Zona Oeste, Zona Sul e Centro. Então quando a gente sai da nossa área, muitas das vezes o pessoal não nos recebe muito bem.
Então isso não começa do público fora do hip hop, o público dentro do hip hop também faz isso indiretamente. Sem contar as vezes que a gente vai rimar no vagão, é muita coisa chata que acontece. Se eu parasse pra falar, eu só parava de falar amanhã, te juro.
E dentro da cidade? Nas rodas da cidade?
O pessoal já olha de uma forma totalmente diferente do que aqui. A gente costuma falar muito a palavra underground. E eu acho que lá essa palavra ainda não chegou totalmente.
Porque o underground lá é muito diferente do daqui. Porque o daqui a gente faz arte pra sobreviver. Se a gente não fizer, a gente não se alimenta.
Lá eles têm outras formas de sobreviver, sem ser da arte. Então quando a gente vai numa roda do centro, a gente tem que tomar muito cuidado com o que a gente fala. Aqui também, logicamente, por questões de, as vezes, sei lá, facções, morros, favelas.
Lá é por conta de políticos que estão nas rodas culturais. Você não pode falar certas coisas. Porque as vezes é patrocinado por um político. E as vezes é um político da direita.
É mesmo? Roda cultural patrocinada por um político da direita? Aonde? Qual o lugar?
Muitas das vezes. Confia, Dudu. Zona Sul principalmente. Centro. Até daqui da Baixada, cara, pra ser sincero.
Eles estão em todo lugar, infelizmente. E é algo que vem se normalizando com o passar do tempo, infelizmente também. A gente vai pra uma batalha e a gente tá começando a perder nossa liberdade de expressão. Porque se a gente fizer uma batalha e eu passar 45 segundos sem falar de política, pra mim eu não tô fazendo rap. E a gente ser vetado a isso, por exemplo, eu não poder falar a palavra Bolsonaro.
Já cansei de pessoas chegarem e me falarem: “mano, tenta não falar mal da direita e tal, porque a roda cultural é assim, assim, assado. Tá sendo organizada por fulano, então, pô, toma esse cuidado”.
E o que tu acha disso? Das rodas culturais serem patrocinadas por políticos? E de direita?
Sendo sincero pra você, foi aí que eu percebi que esse meu sonho, ele tava se tornando um pesadelo. Porque quando a gente começou dentro do hip hop, quando eu comecei dentro do hip hop, eu queria revolucionar alguma coisa, cara. Eu queria ser reconhecido.
Eu queria chegar em algum lugar e a pessoa saber que é um jovem RD. E pô, eu consegui. Então, se for pra falar de hip hop, beleza. Eu acho que eu venci, porque eu consegui o que eu queria. Eu não pensei no dinheiro no começo. Só que com o passar do tempo, esse reconhecimento começou a ser vetado por pensamentos que eu tinha, por coisas que eu falava. Porque eu nunca compactuei com essas coisas. E tem muitas rodas culturais que eu não frequento mais por esse motivo. Tem muitos lugares que eu não frequento mais por esse motivo.
E o meu medo é chegar uma hora que eu tenho que parar de frequentar todos os lugares, porque parece que eles tão tomando conta e a gente tá ficando calado, cara. Será que o dinheiro realmente é tão importante assim a ponto de matar o nosso movimento?
Boa pergunta. Será que o dinheiro é tão importante assim a ponto de matar o nosso movimento?
Cara, quando a gente morre, a gente não leva nada. Claro que não é. Às vezes, por um lanche que você vai comer à noite, cara, você se vende. Você se vende por um maço de cigarro. Tem gente que se vende por cem reais em época de eleição. Você acha que se um político chegar pra quem nunca teve mil reais na conta oferecendo cinco mil pra batalha e ele, sem saber que esses cinco mil tem que custear isso, tem que custear aquilo, no final quase nada vai ficar pra ele, mas às vezes só dá fome de ter esses cinco mil na conta dele, já se vendeu.
E o pessoal da direita sabe disso. E é por isso que eles foram em quem nunca teve nada.
E por que tu acha que a galera do Rap aceita isso? Quem tá produzindo essas batalhas.
Eles aceitam isso porque eles nunca tiveram isso.
É a mesma coisa de você oferecer pão pra um morador de rua e pedir pra ele fazer algo que ele não queira fazer, ele vai fazer, porque ele tá com fome.
Mas o Hip Hop não deveria dar essa formação pras pessoas? Entenderem como que a dinâmica funciona da sociedade?
Sim, eu acho que até existe, tem muitos lugares. Se hoje você vir no Enraizado, você aprende muita coisa. Eu aposto que se algum organizador de batalha algum dia vim aqui tentar trocar ideia com você, eu sei que você vai ser desse seu tempo e vai trocar uma ideia com ele. Nem que seja o dia inteiro, mas eu sei que você vai.
Eu acho que a informação tá aí, a gente que é livre e não quer ir atrás da informação. Então, pelo fato do pessoal não ter essa informação, não ter essa condição e receber essa condição (dinheiro), eles acabam que abraçam e é isso, quem não aceitar vai embora e quem aceitar fica.
Eu não tô falando que são todas as rodas culturais do Rio de Janeiro, muitas são resistência. E a gente faz na resistência, essas dá pra ver de longe que são resistência. Mas, infelizmente, não são todas. Batalhas viram eventos.
Vamos fazer uma pequena regressão aqui, que eu queria entender, como você não é do Rio e tal, tua infância e a parte da adolescência foi em São Paulo, eu queria entender como foi a sua relação na escola, como foi a sua convivência na época que você passou pela escola.
Foi uma época muito difícil na minha vida, porque desde criança eu “tique” nervoso e hoje eu ainda tenho, eu pisco muito. E antigamente eu balançava a cabeça, então isso era um bullying gigantesco dentro da escola.
E eu não sabia como me remediar dessa situação, porque quando eu tentava revidar, eu apanhava. E quando eu não tentava revidar, eles continuavam. Então, tipo assim, acho que foi uma das piores épocas da minha vida, foi um ensino fundamental.
E algo que, infelizmente, cara, os nossos pais, eles não aceitam que isso acontece. Porque você fala, você é uma criança falando “criancice”, então isso meio que não muda. Então não era só comigo, eu via outras pessoas sofrendo, e eu não via mudando.
Professores não ligavam, diretores não ligavam. Eu imagino que aqui no Rio também tenha sido assim. Apesar que lá o ensino era bom, não vou mentir. Mas eu acho que esse problema afetava muitos adolescentes, muitas crianças a aprender. Porque você não consegue aprender quando você foi o dia inteiro chamado de “macaco”. Você não consegue aprender quando você foi o dia inteiro chamado de “baleia”, de “girafa”. Então, como que você vai aprender? Há sanidade para isso?
Qual é a sua escolaridade?
Terminei o ensino médio, e tranquei o superior.
Você já participou como oficineiro, ou como aluno de hip-hop e tal? Como é que foi isso? Quando foi isso?
Começou há um ano e meio atrás. Faço, com menos frequência hoje, porque eu me dei mais o foco para batalhas e tal, na minha carreira.
Mas eu comecei bastante a fazer principalmente coisas pelo Sesc e Senac. E foi uma experiência
absurda, porque a gente conseguiu entrar num território que meio que não era nosso. E quando a gente saiu de lá, pessoas queriam ser MCs, meninas queriam ser dançarinas, meninos queriam ser grafiteiros.
Foi remunerado, mas mais como uma ajuda de custo. Infelizmente, eu acho que dentro do hip-hop falta essa remuneração. A gente recebe muito mais ajuda de custo do que, como dizem, cachê ou salário.
Nessa tua carreira dentro do hip-hop, você falou do rapaz que você levou para o Rio, para batalhar e tal. Então, eu queria que você trouxesse a importância das amizades, dessas parcerias, na tua formação artística no município de Nova Iguaçu, essa relação com a galera da cidade.
Eu acho que eu sempre vou ter um agradecimento muito gigante ao pessoal daqui de Nova Iguaçu e principalmente da minha área, porque eles foram as primeiras pessoas que acreditaram no meu sonho antes de família, antes de amigos de fora. Então, a partir do momento que eu conheci pessoas, essas pessoas mandaram eu voltar no evento: “Pô, volta semana que vem, você é bom”.
Pô, isso já foi um combustível gigante para eu voltar. E semana que vem, semana que vem, semana que vem… Então, eu acho que, se não fosse a força dessas amizades que eu tive do dia para a noite, vamos dizer, eu não estaria aqui.
Eu acho que o Rodrigo não teria morrido para nascer o Jovem RD. E não teria nascido o Maqueen, não teria nascido o Índio, não teria nascido a maioria dos MCs da minha área. E eu demorei muito para entender que, ao mesmo tempo que eu precisei de pessoas, hoje pessoas também precisam da gente.
Eu demorei muito para entender isso, Dudu. Muito. Porque aquela insegurança que a gente sente de se sentir sempre insuficiente, mas quando você sabe que para outra pessoa você é uma inspiração, é uma palavra muito forte.
E eu tive minhas inspirações quando eu comecei. Eu comecei batalhando por causa de um moleque que batalhava na área, que quando eu ouvia a primeira vez ele rimando, ele era muito bom. Eu falei, caramba, eu quero ser que nem esse moleque. Hoje ele não batalha mais, ele virou até bombeiro, pra falar a verdade. Pra você ver como são as coisas da vida, mas… Acho que se não fosse ele ali também, talvez eu nem voltaria na semana que vem.
Por mais que todo mundo mandou eu voltar, eu tive que ter uma inspiração. Eu acho que a inspiração, pelo menos pra mim, é um dos maiores combustíveis pra gente continuar. Eu sou totalmente agradecido por Nova Iguaçu é isso. Porque todas as minhas referências são de Nova Iguaçu.
Quais são os seus sonhos?
Eu acho que o meu maior sonho no momento é conseguir sustentar a minha família com o que eu amo. Porque a gente não vive de arte, a gente sobrevive de arte no momento. E eu acho que a partir do momento que a gente começar a viver, a gente não ter que às vezes pedir um dinheiro emprestado pra conseguir em algum evento, a gente conseguir pagar o aluguel, eu acho que já vai ser um sonho realizado.
Porque eu sou muito feliz com o que eu faço, mano, apesar de tudo. Muito feliz mesmo.
Se tu pudesse hoje deixar uma mensagem pra um moleque do hip hop que vai ouvir essa mensagem daqui a 20 anos, quando ele estiver começando a carreira dele, qual mensagem você deixaria?
Mano, não esqueçam de quem começou, de quem pavimentou esse chão pra vocês estarem pisando. Eu acho isso muito importante. A gente pode ser uma geração muito boa, a próxima geração pode ser melhor, mas a antiga geração também foi muito importante.
E caso você queira entrar no hip hop, cara, entre de coração. E se você for entrar no hip hop de coração, estude. Não tem nada pior, cara, do que você ser leigo dentro de um movimento que precisa muito da sua inteligência pra revolucionar alguma coisa.
Eu acho que essa seria a mensagem.
E agora a continuação dela. Qual é o tipo de hip hop que você gostaria de deixar como herança pra essa galera que vai chegar?
Eu gostaria muito de deixar principalmente a essência da velha escola. E eu acho que isso é algo que a gente não pode perder nunca. E é algo que me preocupa muito.
De talvez meu neto não saber quem foi os pioneiros dentro desse movimento. Então se eu pudesse deixar algo, acho que a primeira coisa que eu poderia escolher era um disco do Sobrevivendo no Inferno.
Cara, quer entrar no hip hop? Ouve ele, saiba a dor de cor e você tá liberado pra entrar no movimento.
Qual a tua obra, projeto, realização pessoal que mais representa a tua trajetória até aqui?
Se eu pudesse me definir assim, eu acho que me definiria como o MC da Baixada, que foi um dos poucos que conseguiu conquistar uma vaga nas maiores batalhas do Rio de Janeiro e se firmou nas maiores. Sem ter que se vender. Sendo ele.
Então tua obra foi ganhar várias batalhas e se firmar nas principais batalhas de rap
Isso, sendo eu, não tendo que apertar a mão de agressor. Não tendo que apertar a mão de vacilão. Não tendo que apertar a mão de racista. Sendo eu. Foi muito difícil e demorou muito mais do que demoraria se apertasse a mão, talvez seria muito mais rápido, mas acho que eu quis fazer isso.
Me diz cinco pessoas que na sua opinião são muito importantes para o desenvolvimento do hip hop da cidade de Nova Iguaçu.
Então em primeiro lugar, Dudu de Morro Agudo. Eu acho que está anos à frente. Sobre influência, Baixadense. Em segundo, eu colocaria o meu mano WL. Ele foi o moleque que chegou mais longe que eu já vi na minha vida, onde o MC pode chegar. E sempre que a gente pensa que ele pode chegar mais, ele mostra que ainda dá para fazer mais. Então, tipo, ele zerou o game.
E pode se dizer eu. Sobre Batalha de Rima, cara. Porque eu acho que eu comecei querendo muito mais inspirar pessoas do que subir. E eu acho que eu consegui. Estou conseguindo aos poucos. Espero conseguir levar mais pessoas para o vagão, fazer mais gente sobreviver de arte até elas conseguirem viver.
Em quarto, eu diria Dorgo. Porque ele é meio que o nosso motor para a gente funcionar. Ele leva a gente onde a gente não conseguiria chegar sozinho. Não só eu, como muitos artistas de Nova Iguaçu. E isso é muito importante. Em quinto, eu colocaria o Jota Davia, pelo que ele vem fazendo pelo cenário de Nova Iguaçu.
Então, vamos dar uma corrida aqui rapidinho. Quais lugares, eventos ou experiências você considera essencial para esse desenvolvimento do hip hop na cidade de Nova Iguaçu?
Vou ter que começar deixando em primeiro o Instituto Enraizado, logicamente. Porque é um espaço que está sempre aberto para artistas, para sanar dúvidas e para a gente se sentir à vontade, que acho que é um dos principais focos de muitos artistas que estão começando.
Roda Da Via, eu acho um lugar muito importante para qualquer artista ir, porque ele não foca só em matéria de rima, é muito além disso.
Outro lugar que me ajudou muito, apesar dos pesares, eu acho muito importante a gente pisar lá e a gente poderia usufruir muito mais da cultura que tem naquele lugar, que é o Instituto Chrizan. Foi muito importante para o meu começo enquanto artista.
Se o hip-hop fosse uma pessoa, como você a descreveria?
Eu a descreveria como uma pessoa de pura resistência, um homem negro, de cabelo black, short, tectel e havaiana, que conseguiu chegar em lugares que só pessoas de terno conseguem chegar, acho que com a cara do Dudu de Morra Agudo.
Se a gente fosse montar um museu do hip-hop de Nova Iguaçu, o que não poderia faltar nesse museu?
Eu acho que não poderia faltar algo que mostrasse toda a trajetória que foi feita para a gente chegar onde a gente chegou. E esses pequenos fragmentos podem ser o disco de alguém, pode ser aquele disco de algum “mano”, o EP de algum “mano”, pode ser alguma folhinha de um lugar que um “mano” de Nova Iguaçu chegou que ninguém imaginaria que seria possível chegar. Um troféu que algum amigo ganhou, que talvez a gente nunca imaginou que seria possível da gente ganhar.
Agora, você tem que fazer um ranking, botar no ranking o primeiro, o segundo, o terceiro lugar, e um que vai ficar do ladinho olhando. Qual foi a principal fonte dos seus saberes? O que mais formou quem a gente conhece hoje do Jovem RD?
Rua, escola, internet, família. Qual é o ranking?
Eu acho que, em primeiro lugar, logicamente, a rua. Ela ensina muita coisa que a gente nunca aprenderia na internet. Porque eu acho que é na rua que a gente aprende sobre a maldade. E é muito bom a gente conhecer sobre a maldade. Você não precisa ser mal, mas é bom você conhecer. Saber onde ela está. Saber, talvez, quando ela pode começar, de onde ela pode vir. Isso evita muita coisa e faz te evoluir muito. Então, acho que foi onde eu mais aprendi, foi a rua.
Em segundo, família. Porque, principalmente, pelo meu irmão. Se não fosse ele, eu não saberia o que é rap. E eu já via como ele era marginalizado no começo. Então, eu já meio que sabia pelo que eu ia ter que passar. Só por ele gostar do que ele gostava, imagina eu fazendo o que faço.
Em terceiro eu colocaria escola, porque ela me ensinou a aprender a me defender, vendo a maldade da rua. Se não fosse a escola, talvez eu não me defenderia. Porque na escola você tem que defender algo. Não sei se eu posso dizer reputação, só que se você for o garoto que apanha hoje, você vai ser o garoto que apanha pra sempre. E se você for o garoto que revida hoje, você vai ser o garoto que revida pra sempre. E se você for o garoto que ensina, você vai ser aquela pessoa que quando os alunos estiverem velhos, ainda vão lembrar de você.
Por último, a internet foi o que sobrou. Ih, cara, ela é tóxica demais. Ela até te ensina. O problema é você descobrir se o que você tá aprendendo realmente aconteceu, né? Porque a gente tá acostumado a ver tudo na internet e achar que é verdade. Tipo, “cachorro gigante passa a praia do Arpoador”, “grilo tocando saxofone”.
Como você faz para cuidar da sua saúde mental? Você pensa nisso?
Penso? Eu comecei a pensar muito recentemente. Porque eu ganhei uma amizade muito importante na minha vida e ela é psicóloga. E ela me ensinou que eu precisava desse tratamento. Porque quando a gente lida com arte, a gente lida com opiniões, a gente lida com julgamentos, a gente lida com preconceitos, dependendo de onde a gente vai. E por mais que a gente ache que a gente não se desgasta com isso, com o tempo, pequenos e pequenos desgastes podem te prejudicar muito futuramente.
Quando você vê, já não tem mais saída. Você já tá desgastado a um ponto que pode vir alguma doença psicológica, algum problema. E se eu pudesse dar uma dica pra todo artista, tanto que tá começando ou que tá há anos, cara, cuida do seu psicológico. E hoje o que me ajudou muito foi ler. Eu leio. Eu leio livros quando eu tô muito mal. Isso me ajuda muito no meu psicológico. Porque eu meio que me desligo do mundo. É o único momento que eu tenho pra me desligar do mundo. Pra botar meu cérebro pra tentar imaginar coisas, tipo, o que tá acontecendo no livro, como era a cara da pessoa. E isso é muito importante hoje pro Jovem RD. Ele precisa ler. Ele é viciado em ler. Porque eu acho que foi o maior tratamento que eu encontrei. Até mais do que terapeuta.
Já fez terapia?
Já fiz, pouco tempo, por três, quatro meses.
Mas eu acho que na leitura eu me encontrei. Então eu aprendi a me curar sozinho de alguma forma. Não sei se eu tô fazendo errado. Talvez até esteja. Mas eu tô muito melhor do que quando eu comecei. Então é bom a gente continuar nesse caminho, né?
Você tem religião?
Eu até tenho, mas se eu falar que eu sou frequente é mentira. Já frequentei a igreja evangélica, mas meu pai é católico então eu frequentei a católica. E conheci uma mulher macumbeira. E tô com ela até hoje. Ela é de Umbanda. E quando eu conheci, cara, eu entendi algo que eu nunca tinha entendido na vida, algo totalmente diferente do que eu imaginei que era. Então foi um dos lugares, assim, sendo sincero pra você, que eu mais encontrei paz.
O hip-hop de alguma forma mudou a sua forma de enxergar o mundo? De se relacionar com o mundo?
Pô, cara, total. Como eu costumo dizer pra todo mundo, o Rodrigo morreu. Eu não sou mais o Rodrigo. O Rodrigo não existe. Hoje minha esposa me chama de RD. O jovem RD, ele não é mais um personagem, hoje ele é isso que você vê.
Hoje eu olho o mundo totalmente de uma forma diferente. Hoje, quando eu entro num trem, eu penso em hip-hop, quando eu entro no metrô, eu penso em hip-hop. Quando eu tô na rua, eu penso em hip hop. Quando as pessoas olham pra mim, como consequência de tudo que eu fiz, e eles olham, eles pensam em hip-hop. Então, eu acho que hoje, tudo que eu faço, tudo que eu penso em fazer, o hip-hop tá relacionado. Então, eu acho que isso mudou minha vida completamente. Foi como se eu tivesse aceitado Jesus, como o pessoal fala.
Eu morri pro mundo. Então, isso não só mudou em mim, cara, mudou com a minha família. Isso não só muda a minha vida, muda a vida das pessoas ao meu redor. Hoje, a minha esposa acompanha minhas batalhas. Meu filho assistia a desenho, hoje em dia, ele liga o YouTube e como eu assisto muito meus vídeos, aparecem meus vídeos e ele assiste, porque ele gosta de ficar “papai, papai, papai”.
Meu pai me acompanha pelo Instagram. Meu pai assiste minhas batalhas. Quando eu perco, meu pai fala “pô filho, perdeu, que é isso? Deu mole.” Quando eu ganho, ele me liga “pô filho, ganhou, que legal, aí, como foi? Rimou com quem?”.
Pessoas que nunca imaginei que iam gostar do movimento hoje gostam por minha causa.
Tem alguma pergunta que a gente não fez, mas que você gostaria de falar a respeito?
Eu gostaria muito de falar, já que o principal foco é Nova Iguaçu, da próxima geração que está vindo de Nova Iguaçu. Acabaram-se que muitos artistas se criaram de poucos anos para cá e hoje a gente está instruído, cara. A gente não é mais aquela rapaziada de 10 anos, 15 anos atrás, que tipo assim, foram com a cara e a coragem. Hoje a gente tem um Dudu para ensinar, hoje a gente tem um Dorgo para ensinar.
Então a gente já entra com um saber. E se já mudou tanto em tão pouco tempo, vamos dizer, imagina daqui a mais 10 a 20 anos. Então, eu acho que a gente tem que pensar muito na próxima geração. E algo que está vindo natural, a gente não está precisando focar tanto. Eu acho que só de ver o que a gente já correu, tudo o que a gente fez. Eu sou a nova geração, só de ver o que os outros já fizeram já meio que dá um combustível a mais, um energia a mais. Então eu acho que é isso.